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  • Eduardo Bartkevihi

Pai David Dias é o novo colunista da revista KOBÁ

O sacerdote de Umbanda apresenta ‘Encruzilhadas’, o seu mais novo espaço de difusão da cultura afro-brasileira

Foto: Aruanda Studios

O lançamento da sexta edição da KOBÁ traz diversas novidades para as comunidades de terreiro. Estreando na revista, idealizada em torno do tema ‘Sincretismos’, Pai David Dias firma presença e traz consigo sua nova coluna, denominada ‘Encruzilhadas’, onde o pai-de-santo busca ressignificar o termo e propõe reflexões baseadas em fundamentos religiosos.


O paulista ressalta que o conteúdo será provocativo, complementando que ‘Encruzilhadas’ traz uma proposta de não apresentar uma verdade. Para ele, uma encruzilhada jamais te traz um caminho único, logo, o sacerdote não virá com respostas.


— A encruzilhada é isso, é um lugar onde você vai se encontrar e ter a oportunidade de escolher por quatro caminhos a seguir ou escolher se manter estático. A única coisa que você não pode entender é que você está perdido. 'Encruzilhadas' traz uma proposta de oferecer no mínimo quatro saídas a partir de uma dúvida, de uma crítica, de um olhar clínico que se tenha sobre determinado assunto — explica.


Há treze anos dentro da religião, o umbandista ressalta a importância de ser um difusor da cultura afro-brasileira dentro dos terreiros de Umbanda. Ele conta que o desejo de conhecer mais sobre a Umbanda surgiu logo após o primeiro contato com a religião.


De lá para cá, se dedicou a estudar, aprender, ensinar e questionar tanto a Umbanda quanto o contexto em que está inserida. De acordo com Pai David, assumir este papel significa garantir o seu lugar de legpai-david-dias-é-o-novo-colunista-da-revista-kobáitimidade e proporcionar esse reconhecimento aos próximos que virão, promovendo e fortalecendo a sua identidade perante a sociedade.


— O meu trabalho na Umbanda é um trabalho de recuperar, resgatar e reconstruir a identidade da Umbanda. Com isso, eu consegui desenvolver definições de Umbanda mais honestas. Quando eu falo que Umbanda é uma cultura de valorização de povos ancestrais socialmente excluídos, eu estou dizendo que agora nós temos uma definição de Umbanda da boca de um umbandista — afirma.


Esse reconhecimento se dá, também, no âmbito acadêmico. Mestrando em Ciências da Religião na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Pai David estabelece ideias transversais entre o ensino produzido na academia e os fundamentos religiosos encontrados nos terreiros.


— A academia dá outro panorama. Para além de ser um lugar que vai contribuir para o meu conhecimento no âmbito religioso, é um lugar que vai me dar ferramentas para transformar a Umbanda. A ciência da religião consegue construir um lugar em que eu posso olhar para a ciência e permitir com que ela converse com a religião — conta.


Para ele, ao mesmo tempo que é importante ter um pai-de-santo, preto e mestre em Ciências da Religião, reconhecer o peso de um mestre, preto e pai-de-santo é extremamente significativo. Ele compreende, também, a importância da academia no processo de fortalecimento do seu povo.


— As pessoas quando olham um preto, macumbeiro, fazendo pós-graduação falam: “Eu acho que também posso. Se ele conseguiu, eu também posso conseguir.”. Então, é dizer para o meu povo que eles também podem entrar na academia — explica, reafirmando a sua inspiração em figuras como Rodney William, doutor em Ciências Sociais pela PUC-SP, e Sidnei Nogueira, doutor em Semiótica pela Universidade de São Paulo (USP).



(Foto: Aruanda Studios)


Na prática

Os projetos idealizados por Pai David assumem diferentes direcionamentos dentro da religião. Um deles é o “Macaia”, focado no conceito de entendimento sobre ervas, que consiste no trabalho de forma ritualística e litúrgica. Diferentemente do “Mandingas”, no qual são difundidos produtos, elementos e informações sobre esses itens, suas funcionalidades e especificidades.


No entanto, o trabalho com as redes sociais ganhou uma maior intensidade com a inauguração do Aruanda Studios, local onde se concentra diferentes produções como “Aruanda EAD”, “Atina Pra Isso”, o podcast, “David Umbanda” o canal no Youtube entre outros. Pai David conta que o estudo permite a sua atuação de três formas diferentes: radialista — área em que David tem formação superior —, DJ — profissão em que atuou por muitos anos —, e pai-de-santo.


Segundo ele, o processo de criação e desenvolvimento dessa estrutura ocorreu de forma rápida e inesperada, tendo início com a produção de podcasts e com a realização de lives no Instagram. No entanto, a iniciativa tomou uma proporção maior.


— Então, ali eu começo a entender que eu tenho uma responsabilidade com o que eu estou falando, e que a minha voz vai muito mais longe do que eu imagino — comenta Pai David sobre a internet possibilitar que os conteúdos produzidos por ele sejam consumidos por mais pessoas.

Ao ser questionado sobre a produção de conteúdo voltado à cultura afro-brasileira, Pai David afirma que as pessoas ainda não entenderam o quanto de potência e responsabilidade elas têm. Para ele, é extremamente necessário entender que o consumo da informação mudou e produzir para as religiões de matrizes africanas, baseado no que elas querem consumir, é um ponto importante.


Além dos projetos citados, Pai David também considera o terreiro como um projeto de vida. De acordo com ele, o terreiro constitui uma família, e ter uma família é algo muito importante. O dirigente do Templo Pai João de Angola, fundado há dez anos, atualmente localizado na Vila Prudente, em São Paulo, reconhece a Umbanda não só como religião, mas também como cultura. Logo, é possível enxergar valores totalmente ligados com os princípios da sociedade brasileira.


— Émile Durkheim fala que a religião é o retrato da sociedade e, muitos anos depois, Renato Ortiz, no livro “A Morte Branca do Feiticeiro Negro”, explica que a Umbanda é uma imagem da sociedade brasileira. É impossível olhar para a Umbanda sem olhar para a sociedade, e tudo que for contra isso, eu vou julgar leviano — afirma.


A partir dessa perspectiva, o religioso reconhece que está sendo criado um viés na Umbanda para além da religião, porque as pessoas estão entendendo que Umbanda é um éthos, no qual ela não é só umbandista dentro do terreiro. Isto contribui, de certa forma, para desconstruir a ideia de que política e religião não se discutem.


— As pessoas que fomentam essa ideia são pessoas que caíram nas malhas desse projeto que está instaurado para que as pessoas não aprendam a discutir sobre política — conclui.

Para ele, o alinhamento da religião e da política caracteriza um movimento denominado “cavalo de troia”, onde compreende-se o terreiro como um espaço de resistência, sendo possível identificar como cada adepto se posiciona em relação a isso.


A partir desta edição, o Pai David Dias apresentará a coluna ‘Encruzilhadas’, trazendo questionamentos e propondo debates às comunidades de terreiro sobre a presença da religiosidade dentro e fora dos ambientes religiosos. Esclarecendo assim que, para além de indecisões, a encruzilhada te propõe diferentes caminhos.


Para ler “Manifesto anti-sincretismo”, primeiro texto da coluna Encruzilhadas, assinada por Pai David Dias, clique aqui.


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