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  • Redação

Peças afrorreligiosas apreendidas entre 1889 e 1945 passam a integrar o Museu da República

A assinatura do termo de cessão definitiva aconteceu no Ilê Omolu Oxum

(Foto: Elisângela Leite)

Desde o último dia 19, o Museu da República abriga definitivamente o Acervo Nosso Sagrado, composto por 519 objetos sagrados de religiões de matrizes africanas que foram apreendidas entre o fim do século XIX e o início do século XX pela polícia fluminense. O acervo permaneceu apreendido por quase um século no Museu da Polícia do Estado do Rio de Janeiro. A assinatura do termo de cessão definitiva aconteceu no Ilê Omolu Oxum, uma das casas de axé mais tradicionais do Brasil e sede do Museu Memorial Iyá Davina, primeiro museu etnográfico do Rio de Janeiro dedicado às comunidades tradicionais de terreiro.


A cerimônia, restrita, cumpriu todos os protocolos de higiene seguindo as orientações da Anvisa e da OMS no combate à Covid-19 e não foi aberta ao público. A ocasião marcou a doação definitiva do acervo para o Museu da República.

Histórico

O Museu da República recebeu no dia 21 de setembro de 2020 um precioso acervo das religiões de matriz africana. Fruto de grande mobilização, o movimento “Liberte Nosso Sagrado”, em agosto de 2020, conseguiu importante vitória com a assinatura do termo que garantiu a transferência do acervo da Polícia Civil ao Museu da República. O material que integra o acervo, e estava sob tutela da Sepol, conta com mais de 500 objetos sagrados para a Umbanda e o Candomblé, apreendidos entre 1889 e 1945.


Tais violações ocorreram nas primeiras décadas da República, particularmente no período entre os anos de 1920 e 1930, ainda que desde a Carta Constitucional de 1891 já se estabelecesse no país o Estado laico e a liberdade de crença e culto. Os objetos apreendidos a partir dessas invasões violentas por parte do Estado foram depositados no Museu da Polícia Civil do Rio de Janeiro, compondo, ao lado de outros materiais apreendidos por forças policiais, exposições organizadas na instituição. Em 1999, quando a sede desse Museu é transferida para o prédio histórico da Rua da Relação, nº 40, no centro carioca, todos os objetos da 'Coleção Museu de Magia Negra' foram guardados em caixas e assim permaneceram até setembro de 2020, com acesso vetado ou muito restrito de pesquisadores e aos integrantes das comunidades tradicionais de terreiro. ''O Museu da República junto com os terreiros e casas de santo do Rio de Janeiro celebraram no uma conquista importantíssima: a doação definitiva dos objetos sagrados que estavam no Museu da Polícia Civil para o Museu da República. De algum modo, a Coleção Nosso Sagrado ganha nova vida, encarna novos sentidos e significados, projeta-se mais viva e mais livre num futuro que há de trazer mais vida, mais conhecimento, mais pesquisa, mais ações educacionais e mais força para combater o racismo religioso'', garante Mário Chagas, diretor do Museu da República e presidente do Movimento Internacional para uma Nova Museologia (MINOM).


Yá Meninazinha de Oxum (Foto: Elisângela Leite)

O acervo

Trata-se hoje de 519 peças. O seu primeiro conjunto reunia 126 peças que, em 1938, foram tombadas pelo então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN), atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), constituindo o primeiro tombamento etnográfico do país inscrito no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico. Em 2020, a transferência desses objetos para o Museu da República foi acordada entre a Secretaria de Estado da Polícia Civil, o Museu da Polícia do Rio de Janeiro e o Instituto Brasileiro de Museus, com amplo apoio do povo do terreiro, de autoridades políticas, artistas e intelectuais engajados.


A campanha Liberte Nosso Sagrado foi formada em 2017 para reivindicar a transferência desse acervo do Museu da Polícia Civil do Rio de Janeiro. Para a principal liderança do movimento, Mãe Meninazinha de Oxum, a recuperação do acervo já faz parte da história do Brasil e merece ser comemorada. A matriarca destaca ainda a importância do trabalho conjunto entre a Instituição e as comunidades de terreiro.


"Estou muito feliz e orgulhosa com a vitória do povo de axé, depois de tanta luta para termos o nosso sagrado tratado com o respeito que merece. A gestão compartilhada desta coleção, entre o Museu da República e grupo de trabalho formado por lideranças religiosas de matriz africana é um grande passo no combate à intolerância religiosa, que sofremos historicamente'', enfatiza a dirigente do Ilê Omolu Oxum. A transferência da Coleção 'Museu de Magia Negra' para o Museu da República é um passo preciso na direção de projetos que lancem luz sobre esse patrimônio cultural, garantindo, não somente a sua organização, preservação, comunicação e acesso, mas também justiça e reparação social, com afirmação do direito e do respeito à diversidade religiosa brasileira. E um dos primeiros passos rumo a mais avanços, nesse sentido, também vale destacar foi a reivindicação atendida dos povos de terreiro para a troca do nome da coleção para Acervo Nosso Sagrado e a cessão definitiva do acervo.

A iniciativa conta a parceria da Quiprocó Filmes e apoio do Instituto Ibirapitanga, instituição responsável pela viabilização de recursos que visam garantir as condições apropriadas para o tratamento técnico, preservação, documentação histórica, registro audiovisual, divulgação e acesso público à coleção.

História que virou filme

A trajetória da campanha que conquistou a transferência das peças é narrada em diversas esferas em documentários como Nosso Sagrado dirigido por Fernando Sousa, Gabriel Barbosa e Jorge Santana e produzido pela Quiprocó Filmes, recentemente licenciado para o Canal Brasil. Atualmente, está disponível na plataforma kweli.tv.


Cárcere dos deuses - magia ou memória em tempos de opressão, filme produzido pelo coletivo KOBÁ e dirigido pelo jornalista Gabriel Sorrentino, também surgiu para argumentar a favor da Liberte Nosso Sagrado. Lançado em 2019, o documentário registrou o momento onde a campanha ainda buscava alternativas para concretizar o objetivo do projeto. Assista ao filme na íntegra em nosso canal do YouTube:


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