Em parceria entre Teatro Imagem e Solta Cia de Teatro, Andreel Ferreira trabalha a potência artística do corpo inserido na Umbanda
O corpo é o principal instrumento de trabalho do ator, que incorpora personagens e compõe cenas não só para entreter, mas também para provocar reflexões. Em seu processo de amadurecimento artístico, o várzea-grandense Andreel Ferreira, que antes de se formar ator e pesquisador de teatro já era umbandista desde os 12 anos, passou a notar a influência da religiosidade em sua performance teatral. E com a responsabilidade de um ogã, faz da arte cênica um meio para denunciar a intolerância religiosa e desmistificar estereótipos.
"A Umbanda é o meu corpo e meus atos ritualísticos fazem parte de mim. Muitas vezes a gente se inibe pelo receio de não ser bem interpretado ou bem quisto. Por muito tempo eu deixei esse lado meu não reverberar, quando eu deveria ter escutado", reflete Andreel sobre o processo de pesquisa, afirmação de identidade e libertação, que culminou na criação de seu primeiro monólogo: Encruza.
Com recursos da Lei Aldir Blanc, através do Edital MT Nascentes, da Secretaria de Estado de Cultura, Esporte e Lazer (Secel), o espetáculo foi adaptado para o audiovisual pelas companhias mato-grossenses Teatro Imagem e Solta Cia de Teatro. Encruza - Do terreiro para a tela está disponível no YouTube desde o dia 7 de maio, e ficará disponível até o próximo dia 6 de junho.
Em 'Encruza', Andreel traduz e protagoniza histórias como a sua, a partir das vivências de um corpo inserido na Umbanda. Dentre os elementos ritualísticos que compõem o espetáculo estão os pontos cantados e o ponto riscado, o toque do atabaque, a defumação, a dança, as velas coloridas. E representando uma personagem, Maria Boipeva, em determinado momento, Andreel se coloca em cena como a entidade Exu Mulher.
Com o trabalho, o objetivo é proporcionar uma experiência sensorial para quem assiste, ao mesmo tempo em que desconstrói uma interpretação demonizada das religiões de matrizes africanas. "Um preconceito sobre nós, de que cultivamos o demônio, de que o povo preto acredita em diabo e que coisas negativas estão do nosso lado", denuncia o ator.
"Eles [os intolerantes] não entendem de onde vem a nossa força, acreditam que estamos do lado do mal porque nós somos resistência. Resistimos a mais de 400 anos de escravidão e continuamos resistindo ao racismo religioso", complementa.
O racismo e a intolerância religiosa são, portanto, disparadores para o espetáculo, que é baseado em casos reais vividos pelo Centro Espírita Nossa Senhora da Guia — Seara Pai Joaquim de Angola, terreiro que Andreel frequente. Contudo, para o ator, Encruza é, também, uma mensagem de reação.
"Não estamos mais disponíveis a sofrer com intolerância, a ficar quietos quando vamos a uma encruzilhada, um carro nos segue e nos dá quatro tiros nas costas. Nem mais nos calar quando entram no terreiro e depredam tudo, colocam fogo, e matam nossos adolescentes. Por isso a importância de fazer Encruza circular. De utilizarmos a internet a nosso favor", conclui o artista.
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