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  • Eduardo Bartkevihi

"Sei como crianças de terreiro se sentem quando veem referências sobre orixás", diz Simas

Em partida da seleção brasileira, o jogador Paulinho comemorou seu gol na partida arremessando uma flecha às câmeras

Oxóssi reina de norte a sul. E o seu reinado segue sendo reconhecido cada vez mais. Desta vez, a sua flecha foi arremessada em um dos maiores torneios esportivos do mundo, os Jogos Olímpicos, em um ato de resistência contra o racismo religioso que acompanha as comunidades de matrizes africanas. O jogador Paulo Henrique Sampaio, apelidado carinhosamente como Paulinho, comemorou seu gol pela seleção brasileira, nesta quinta-feira (22), atirando uma flecha para as câmeras que o gravavam e simbolizando o ofá de Oxóssi.

O atacante do Bayer Leverkusen, time alemão, tem ligação com as religiões de matrizes africanas desde criança, por sua família carregar a fé nos orixás. Filho de Oxóssi, Paulinho tem se manifestado publicamente sobre sua religião nas redes sociais e utilizado a mídia para exaltar a sua religiosidade e pedir espaço para o Candomblé e a Umbanda.

Em seu perfil do Facebook, o historiador e professor Luiz Antônio Simas comentou a importância dessa atitude para as crianças que cultuam as religiões afro-brasileiras:

— Fui criança de terreiro, nasci e cresci em um, e sei como crianças de terreiro se sentem quando veem referências assim sobre orixás. São nossos super-heróis! Pro adulto é bacana pacas, mas para a criançada.... Que alegria! — comentou.

A representatividade é muito importante no Brasil. Em um cenário onde observamos o poder das igrejas neopentecostais no contexto político e o aumento do racismo religioso na sociedade, refletindo em ataques a terreiros e associação religiosa a criminosos, entre outros, se posicionar em prol do espaço conquistado pelas comunidades de terreiro é lutar contra o sistema imposto desde a invasão portuguesa em solos brasileiros, ainda no século XVI.


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Introduzir esse ideal às crianças, que estão em processo de formação, é importante para que cresçam batalhando por direitos e enfrentem a desigualdade existente entre crenças. Para Simas, crescer nesse universo faz com que a estranheza se transforme em costume.

— Eu tenho a impressão de que tudo aquilo que o sujeito conhece e vive cotidianamente como criança nunca lhe será estranho — completa o professor, que também relembrou momentos da sua infância ao longo do texto, contextualizando com a sua vivência dentro do terreiro:

— No transe de um caboclo de pena, no ilá de um orixá, mora boa parte do meu aconchego e o mundo segue normal quando um encantado dança — ressalta.


O ofá de Oxóssi

O arquétipo de caçador apresentado por Oxóssi nas religiões afro-brasileiras é estabelecido a partir do mito principal de que o caçador acertou o peito de um pássaro com uma única flecha, protegendo o seu reino contra feiticeiras. O seu ofá é similar a um arco, utilizando para caçar animais e proteger a comunidade.

Também apresentado no sentido figurado, o significado de atirar flechas por meio do ofá consiste na proteção contra tudo aquilo que contribui negativamente às pessoas.

Esse episódio não foi o primeiro feito pelo jogador, que teve uma matéria publicada na coluna Carta para mim mesmo, da plataforma The Player Tribune, sobre a sua relação entre futebol, família e religião. No texto, o atleta escreveu uma frase que se repetiu bastante durante a semana: ‘Que Exu ilumine o Brasil’, se referindo ao contexto social, político e histórico do país.

O ocorrido é considerado um feito histórico por grande parte dos religiosos afro-brasileiros, uma data em que a flecha de Oxóssi foi arremessada para todo o mundo, em uma competição televisionada internacionalmente. Que essa flecha abra caminho para que as comunidades de terreiro possam ser valorizadas como merecem e sua cultura seja cantada nos quatro cantos do mundo.

 

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